Generalidades
Refere-se a presente memória descritiva ao projeto de reconstrução e ampliação de uma moradia unifamiliar, executado numa ruína no Sítio do Telheiro, Freguesia de S. Bárbara de Nexe, em Faro.
Enquadramento
O local onde se enraíza a obra denomina-se “O Sítio do Telheiro”, e adquiriu este nome por ser um local de terrenos argilosos que no passado acolheu atividades de produção da telha Algarvia.
É também um local onde, e tal como em praticamente toda a região do Algarve, predomina pontualmente a pedra calcária.
Análise
A intervenção surgiu na sequência de uma cuidada análise estética e funcional do lugar, que está naturalmente em constante mutação.
A construção pré-existente, uma ruína de génese popular, destacava-se pelas características da arquitetura vernacular algarvia. Apesar da sua estrutura edificada se afigurar volumetricamente bem definida, apresentava pontualmente excessiva degradação.
Ideia
Face ao avançado grau de deterioração apontado, verificado mais expressivamente no lado sul da construção, parte das paredes não resistiram e caíram durante a execução de alguns trabalhos de demolição previstos.
Por questões de estabilidade foi impreterível proceder à remoção das partes da estrutura danificada tendo-se mesmo optado, dada a dimensão da fragilidade, pela total eliminação da pré-existência.
E foi exatamente (i) a circunstância de irrecuperabilidade da ruína, juntamente com (ii) as características sui generis daquele Sítio, que ditaram o conceito do projeto, tornando-se no seu conjunto fortes o suficiente para se assumirem como o mote que norteou as intervenções efetuadas.
Estratégia
Contrariando substancialmente as diretrizes funcionais da pré-existência, procurou-se que a nova construção a erigir, enquanto obra de reconstrução e ampliação, fosse digna de uma resposta arquitetónica que colmatasse cumulativamente os seguintes aspetos:
1. Garantisse a ampliação a partir do local ocupado pela construção original;
2. Encaixasse parte da sua volumetria na topografia do terreno, tal como a construção original;
3. Enunciasse o testemunho histórico da atividade humana do Sítio;
4. Preservasse a memória da construção original, sem condicionar a expressão do novo projeto;
5. Respeitasse a história, não esquecendo a contemporaneidade.
Perseguindo estas premissas, a ideia do projeto consistiu numa homenagem tanto à pré-existência como ao Sítio.
Para o efeito, “enterrou-se” a ruína degradada, clarificou-se os limites da sua implantação, e sobre o vazio histórico deitou-se um cheio contemporâneo em forma de pedra de cal, pontualmente rasgado para iluminar o ora passado sepultado.
Cravado na encosta e apoiado sobre um valado adjacente o novo volume surge como um elemento protetor da memória da pré-existência: O seu Telheiro…
Desta forma, e decorrente da intenção de enfatizar ao máximo as sensações arquitetónicas, bem como, porque o declive natural do terreno de forma evidente o sugere, optou-se por fazer a entrada na construção pela parcela de terreno a Norte, à mesma cota de nível com o novo volume. Este facto justifica a alteração da cota de soleira para o piso de cota superior, e a redefinição da terminologia dos pisos.
Linguagem
A nova linguagem arquitetónica define um compromisso entre um traçado tradicional algarvio e uma componente de contemporaneidade e inovação, de reinterpretação atual desse mesmo traçado, moldando o edifício proposto com o contexto do sítio.
São exemplo desta reinterpretação, a altura da fachada, a espessura das paredes, a tijoleiro de terracota, a ornamentação com pedra calcária, e a pitoresca chaminé algarvia.
A utilização de materiais simples transmite um desejo de pureza, confere um elemento de referência na linguagem escolhida e compõe o edifício sem o desvirtuar.
A utilização do vidro, de guardas em bambu permeáveis à visão, e a utilização de pedra em bruto para pontuar determinados acontecimentos, assumem-se como parte integrante de uma harmonia que compõem um conjunto que se pretende ser uno sem ser monolítico.
Envolvente
Procurou-se entregar ao local um edifício arquitetónico que qualificasse e dinamizasse toda a envolvente rural e que contribuísse para a valorização espacial do terreno, conceitos que norteiam o ordenamento do território.
Priorizou-se ainda que a intervenção neste terreno rural fosse, tanto quanto possível, absorvida pela envolvente natural, criando desta forma, não mais uma imposição “arquitetonicamente caluniosa”, mas um pacto de prestígio, cumplicidade e interação entre o objeto arquitetónico e a envolvente em que se insere.
A Arquitetura tem de se impor, sem ferir o diálogo harmonioso entre o construído e o envolvente próximo, e tem também de “respeitar a atmosfera do lugar, sem se submeter a princípios de imitação tradicional atávica, nem exibir insinuações folclóricas dispensáveis” 1 (Lídia Jorge, comentário da escritora para o Jornal Público enquanto júri do Prémio Bienal de Arquitetura e Urbanismo do Município de Loulé).
"Cravado na encosta e apoiado sobre um valado adjacente o novo volume surge como um elemento protetor da memória da pré-existência: O seu Telheiro…"